Para além de histórias e narrativas, a arte é sobre representatividade, conquista de espaço, exposição de problemáticas político-sociais e fazer-se ouvir. Foi a consagrada Clarice Lispector quem escreveu: “Há o direito ao grito. Então eu grito”. E é isso que, com maestria, escritores da literatura negra têm feito nos últimos anos.
O conceito se relaciona com produções textuais cujo autor ou autora é uma pessoa preta e, por isso, estão aptos a colocarem suas subjetividades e suas individualidades como sujeitos em narrativas e poemas.
A literatura negra ganha força e passa a ser mais explorada no século XX, com o fortalecimento de movimentos que visavam dar voz e direitos para pessoas pretas. Ela surge, principalmente, como uma expressão do sentir-se negro em países dominados de forma predominante por brancos.
A partir de determinadas transformações sociais, como o Renascimento Negro Norte-Americano, desenvolve-se a consciência de ser negro, de forma que a literatura se torna uma forma de denunciar a segregação racial existente e de quebrar estereótipos construídos por anos ao redor de personagens pretas (como pessoas malandras, violentas, dotadas de pouca alfabetização ou vitimizadas). Um grande exemplo desse caso é o Saci-Pererê presente nas obras de Monteiro Lobato.
É importante citar que, mesmo antes da literatura negra ganhar força, textos com foco denunciativo e representativo – para pessoas pretas – já eram redigidos por alguns autores, como Cruz e Souza, Lima Barreto e Machado de Assis (este, extremamente embranquecido pela mídia e pelas editoras, de forma que muitos leitores não sabem que ele era negro).
É por meio da literatura negra que muitos autores, autoras e personagens expõem ao mundo sua integridade, sua personalidade e, principalmente, o fato de que estão vivos como seres humanos repletos de subjetividade. Além disso, é a forma encontrada para que eles digam: “Estamos vivos e viemos quebrar o racismo estrutural desenvolvido em sociedades predominantemente brancas”.
Podemos dizer, portanto, que a literatura negra é a expressão de um coletivo que tem (e precisa continuar tendo) voz. É a arte cumprindo seu papel incrível de ceder o direito ao grito.
Para que você se aprofunde, apoie e conheça mais sobre a pauta, separamos 10 títulos com personagens pretos e desenvolvidos por pessoas negras. Adicione-os à sua lista e boa leitura!
1. O olho mais azul
Escrito por Toni Morrison em 1970, O olho mais azul é o primeiro romance da autora e se tornou vencedor do Prêmio Pulitzer e do Nobel da Literatura. É uma obra honesta, forte, inteligente e com uma narrativa tão envolvente que, após iniciar a leitura, torna-se impossível parar.
O livro se desenrola com dois focos narrativos: a infância de Claudia e Frieda, duas irmãs, e Pecola, uma garota cujo sonho é ter o olho azul como as crianças brancas. O traço em comum das personagens é o tom de pele negro.
O livro denuncia questões raciais, violência familiar e feminina, desigualdades de classe, problemas de gênero, entre tantos outros pontos. A literatura de Morrison é forte, impactante e voraz.
A cada página, o leitor se surpreende com sua habilidade. Nomes como Dick e Jane – característicos de duas personagens dos livros escolares infantis, ambas brancas – cruzam uma história com detalhes delicadamente pensados. A narrativa se mostra lírica e contagiante. Não fácil, mas, sempre, necessária.
[wptb id=2437]2. Pequeno manual antirracista
Djamila Ribeiro é filósofa, feminista, negra, acadêmica, escritora e um dos grandes nomes da luta sobre racismo contemporâneo nos últimos anos. Em Pequeno manual antirracista, ela lista onze lições importantes e urgentes para que possamos entender e combater o preconceito racial atualmente.
Negritude, branquitude, violência racial, cultura negra e outras pautas entram em foco para que o leitor visualize as raízes do racismo estrutural na sociedade brasileira, formada, no passado, com trabalho escravo e detenção de riquezas nas mãos de poucos (e, geralmente, brancos).
A obra se debruça sobre os abismos sociais criados por meio desse preconceito histórico, entendendo todo o sistema opressor que perpassa nossas ações e, principalmente, de que forma começar a parar esse ciclo.
Com inteligência, embasamento e argumentos extremamente bem construídos, Djamila demonstra como ser antirracista, tornando essa uma luta de todos e todas.
[wptb id=2439]3. Quem tem medo do feminismo negro?
Redigido pela mesma autora da obra anterior – Djamila Ribeiro –, esse livro foca sua discussão no feminismo negro e no por que é urgente (também) falar sobre ele. Trata-se da seleção de mais de 30 artigos publicados pela autora no blog da Carta Capital entre os anos de 2014 e 2017, criando uma coletânea de ensinamentos e lições.
Djamila debate temas como silenciamento de mulheres pretas, interseccionalidade e preconceitos dirigidos à repórter Maju Trindade e à celebridade Serena Williams, ao mesmo tempo em que costura o feminismo negro entre os assuntos.
Para além de uma obra política, representativa e de leitura fundamental, é uma homenagem às mulheres que tornaram e tornam o feminismo negro real em países como Estados Unidos e Brasil.
[wptb id=2441]4. Eu sei por que o pássaro canta na gaiola
Maya Angelou é uma escritora e poeta americana que colecionou alguns prêmios durante sua carreira, como o BET Honors Award (evento para celebração de artistas negros) de literatura.
Eu sei por que o pássaro canta na gaiola é um exemplo claro das razões pelas quais ela é tão apreciada quando o assunto é literatura (negra ou não). A obra reúne acontecimentos biográficos para construir uma narrativa sobre a conquista da liberdade.
Infelizmente, o caminho para isso não é tão positivo, visto que Maya passa por episódios de racismo, de abuso e de silenciamento extremos. Ao lado do seu irmão, de sua avó e de outros moradores do sul dos Estados Unidos dos anos 30, a garota cresce, amadurece e conhece a vida (marcada por acontecimentos tristes, comuns e, como dizia Jorge Amado, milagres).
Ao mesmo que visita suas memórias até a adolescência, Maya conquista sua liberdade, livra-se das grades a ela impostas e conquista seu espaço: é a primeira negra a trabalhar como condutora de bondes em São Francisco.
Tão poética, forte e importante quanto as demais obras dessa lista, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola vai arrancar sorrisos, suspiros e lágrimas dos leitores.
[wptb id=2443]5. O sol é para todos
O sol é para todos é um clássico da literatura mundial lançado em 1960 e escrito por Harper Lee. O livro ganhou o Prêmio Pulitzer e, quando produzido para o cinema, conquistou o Oscar de melhor roteiro adaptado.
Ambientada nos Estados Unidos de 1930 (assim como Eu sei por que o pássaro canta na gaiola), a obra se debruça sobre Scout, a filha de um advogado que decide defender um homem negro acusado injustamente de um terrível crime.
O caráter denunciativo da obra se torna aparente quando a criança começa a perceber (e a se sensibilizar) pelo preconceito racial e de classe. Infelizmente, as pautas expostas no livro ainda hoje se mostram vigentes e, por isso, ele continua sendo atual e necessário.
O foco narrativo em Scout agrega uma camada sincera e otimista ao livro, já que a perspectiva e a esperança acompanham a maneira com que a garota olha para o mundo. É uma forma de fortalecer a fé de que, sim, todos temos os mesmos direitos estando debaixo do mesmo sol (e vamos chegar lá, juntos!).
[wptb id=2445]6. A resposta
A resposta é um marco na literatura negra contemporânea. Escrito por Kathryn Stockett, o livro narra a história de Eugenia Skeeter, uma jornalista recém-formada com ânsia para descobrir e extrapolar os limites da profissão.
Quando tem a ideia de escrever sobre o relacionamento – marcado pelo preconceito – entre domésticas negras e donas de casa brancas, Skeeter passa a se encontrar com algumas mulheres pretas para reunir histórias, experiências e contar, em seu livro, a subjetividade dessas pessoas.
Esses momentos de troca acabam caminhando para uma amizade cada vez mais forte entre Eugenia, Aibileen – uma doméstica que já criou mais de 17 crianças brancas – e Minny – uma mulher que, com sua personalidade, combate o preconceito diariamente.
A resposta é uma obra sobre esperança e sobre desconstruir estigmas presentes na sociedade. Para além disso, é a ilustração de como os livros possuem o poder de expor, chocar e impactar gerações e pessoas.
O título inspirou o filme Histórias Cruzadas, estrelando Viola Davis, que foi extremamente aclamado e ganhou inúmeros prêmios e indicações, como o Oscar.
[wptb id=2448]7. Quarto de despejo
Uma das obras mais marcantes dos últimos anos na literatura brasileira, Quarto de despejo foi redigido por uma mulher, negra e catadora de lixo. Trata-se, na realidade, do diário de Carolina Maria de Jesus, retratando as experiências vividas pela mulher cotidianamente.
O livro é reconhecido, ainda, por sua quebra dos padrões linguísticos, fugindo da norma padrão da língua portuguesa e demonstrando como nosso idioma é rico, variado e composto de diferentes realidades.
É uma obra importante por ir além da literatura canônica e dentro dos padrões esperados, acessando pessoas negras que estão à margem da sociedade e, diariamente, vão para o mundo pensando como continuarão vivas com os recursos que possuem.
[wptb id=2450]8. Olhos d’água
Escrito por Conceição Evaristo, um dos grandes nomes femininos na literatura brasileira atualmente, Olhos d’água é uma coletânea de contos focados na população afro-brasileira e nas condições às quais esse povo está exposto.
A violência urbana, o preconceito, a pobreza, a falta de oportunidades e outras situações comuns na vida dos negros brasileiros ocupam as páginas do livro, costurados pela prosa poética característica da autora.
Olhos d’água é um conjunto de mães, filhas, avós, mulheres, homens e crianças negras, juntos para homenagear a existência e a vulnerabilidade que existem por trás do cotidiano de pessoas pretas.
[wptb id=2451]9. Americanah
Escrito pela aclamada Chimamanda Ngozi Adichie, Americanah conta a história de Ifemelu, uma jovem nigeriana que deixa seu país na década de 90, quando o regime militar passa a assolar o território, junto do primeiro.
Nos Estados Unidos, Ifemelu ingressa na faculdade e descobre que a negritude impõe a ela uma série de adjetivos e características que, entre os negros, não eram significantes: o preconceito, a diferenciação, a marca da imigração, a desigualdade de gênero, entre outros aspectos por trás da organização da sociedade americana.
Ao mesmo tempo em que a história de vida da garota é narrada, o livro cria um cenário bastante inovador na literatura: insere, no meio da prosa, textos de blog escritos por Ifemelu 15 anos após a narrativa central.
Americanah é uma costura entre o passado, o presente e o futuro (retratando, por exemplo, a eleição do primeiro presidente negro nos Estados Unidos). É uma história de amor, de aceitação e de afirmação, paralelamente a uma crítica social condizente com a realidade.
[wptb id=2453]10. Torto arado
Uma das obras mais comentadas no cenário artístico e literário brasileiro em 2020, Torto arado é um romance de Itamar Vieira Junior que conta a história de duas irmãs residentes no Sertão da Bahia (Bibiana e Belonisia).
Determinado dia, a curiosidade das duas as leva a se tornarem completamente dependentes: uma só consegue falar através da outra. A problemática se inicia quando Bibiana percebe as injustiças presentes em sua realidade e quer mudar de vida, enquanto Belonisia está satisfeita com a situação à sua volta.
Torto arado é uma crítica à escravidão presente ainda hoje na sociedade, ao preconceito estrutural e às diferenças de classe existentes no território brasileiro. A poética da obra conquista fãs e envolve o leitor a cada página.
[wptb id=2454]Conhecer a literatura negra é parte fundamental para compreender a realidade de diferentes subjetividades e individualidades do mundo. Além de entreter, faz com que nos tornemos mais empáticos com quem está à nossa volta.
Para continuar se aprofundando em pautas políticas e de afirmação social, confira nosso texto sobre literatura LGBTQIA+ e adicione os títulos à sua lista!
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