Saramago é um mestre. Claro, sou suspeita para falar, entretanto, eu sei que essa é uma opinião geral quando falamos do autor português, que nos deixou obras muito singulares e ricas em todos os sentidos, com um jeito peculiar de escrever e formular os seus pensamentos.
O autor era tão brilhante que chegou a receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1988 e, sem dúvidas, foi mais do que merecido. Ler Saramago é uma verdadeira experiência de reflexão social, política e religiosa — e até mesmo da nossa própria existência.
Em 2010, o grande autor português deixou o mundo, mas eu me arrisco a dizer que apenas no plano físico. As ideias de José Saramago ficam perpetuadas com grandes livros como O Evangelho Segundo Jesus Cristo e o Ensaio Sobre a Cegueira, este que rendeu até um longa metragem, em 2008.
Sem mais demoras, vamos conferir 6 livros de José Saramago para conhecer o autor.
1. Ensaio sobre a Cegueira
Provavelmente, o “Ensaio sobre a Cegueira” é o livro de José Saramago mais famoso e é fácil entender o porquê: o enredo e as reflexões necessárias fazem essa obra tocante e essencial. O enredo faz a gente pensar em um monte de coisas e, para mim, o que mais tocou foi a parte da humanidade.
O “Ensaio sobre a Cegueira” é uma distopia onde, gradualmente, todos começam a ficar cegos, até que isso se torna uma pandemia. Para conter a disseminação da cegueira, o governo exige que as pessoas sejam levadas para uma quarentena distante daqueles que ainda tem a visão.
E claro, não resolveu. A população inteira ficou cega, em fragilidade e sem conseguir fazer as coisas mais básicas, como se vestir ou se proteger. Exceto uma personagem, a Esposa do Médico. Escrevo em letras maiúsculas porque ninguém na obra tem nome. Do mesmo jeito que os cegos não sabem quem é quem, a gente também não, exceto por nomenclaturas como “Médico”, “Rapariga dos óculos escuros” e “Menino”.
O livro também bate em cima da coletividade. O que seria de todas essas pessoas cegas se não fosse isso? Um ajudando o outro. Um segurando o outro para seguir em frente — embora eles não saibam que a Mulher do Médico continuava a ver e a guiá-los.
“Ensaio sobre a Cegueira” é um livro para se ler com lápis, borracha e caderno de apontamentos do lado, porque cada passagem é uma reflexão, um questionamento. Uma ótima sugestão de leitura para os dias de isolamento social.
- Livro
- Saramago, José (Author)
- 312 Pages - 04/03/2020 (Publication Date) - Companhia das Letras (Publisher)
2. O Conto da Ilha Desconhecida
Se você quiser um livro para ler em um dia, a minha sugestão é “O conto da Ilha Desconhecida”. A leitura é rápida, mas, como todas as obras de Saramago, vem com uma dose de reflexão. Portanto, se você deseja lê-lo de uma única vez, escolha um momento em que isso possa ser feito com calma e com pausas.
O pequeno livro narra a história de um homem que quer um barco para navegar até uma ilha desconhecida. Pessoalmente, ele se dirige ao rei e faz o pedido. O soberano, entretanto, o julga como um louco e o questiona sobre esse sonho aparentemente doido.
Apesar de ser um livro curto, é importante ressaltar que ele não é de fácil compreensão, assim como outras obras do autor. Saramago sempre traz reflexões um pouco complexas, aliadas ao estilo de escrita fora da caixa, que pode exigir um pouco mais a compreensão do leitor.
Uma história sobre sonhos, determinação por aquilo que se acredita e um rompimento da mesmice. Mas também sobre amor, como especula o colunista Contardo Calligaris, que diz que o conto fala de uma mulher representando a ilha, e a viagem, o amor ou o processo de envolvimento com a pessoa.
“Moral dessa coluna (e talvez da fábula de Saramago): os outros não são nenhum inferno, são uma viagem. Agora, para amar, como para viajar, é preciso ter determinação e coragem.” Contardo Calligaris, Folha de S. Paulo, Ilustrada.
- Livro
- Saramago, José (Author)
- 64 Pages - 12/03/1998 (Publication Date) - Companhia das Letras (Publisher)
3. História do cerco de Lisboa
Para entender essa história é preciso saber uma coisa sobre Saramago: ele não gosta de revisores. E quem lê os livros do autor irá compreender isso rapidamente, pois aquela estrutura tradicional de marcar os inícios de falas com travessões ou aspas não é algo que faz parte do escritor português.
Saramago tem um jeito muito próprio de escrever e, em algumas partes, é normal que você pense “O quê? Deixa eu ler de novo”. Então, não desista na primeira vez que se deparar com isso — eu juro que vale a pena.
Conheci a “História do cerco de Lisboa” durante a minha pós-graduação em Produção e Revisão de Texto porque, afinal, o livro ilustra bastante a relação autor e revisor, assim como mostra o poder de não compreender a mensagem, o estilo de escrita e como uma única palavra pode mudar o sentido.
E foi o que aconteceu nesse livro: o revisor Raimundo SIlva fica responsável por revisar um livro de história com o nome “História do cerco de Lisboa”. Entretanto, durante a correção, ele aplica um “não” no texto, transformando totalmente o fato.
Sem dúvidas, uma história para conhecer o autor e também se divertir com a relação escritor e revisor.
- Saramago, José (Author)
- 320 Pages - 05/18/2011 (Publication Date) - Companhia de Bolso (Publisher)
4. O Evangelho segundo Jesus Cristo
Para pessoas mais religiosas, pode ser que “O Evangelho segundo Jesus Cristo” seja uma leitura com certo tabu, já que o propósito é trazer outro ponto de vista da vida do Messias, diferente daquele que a Bíblia nos traz.
Há quem considere este livro um tanto quanto polêmico e, até mesmo, ofensivo. Mas é preciso entender que fazem parte de Saramago as reflexões profundas e um pouco mais ácidas. Portanto, é importante abrir essa leitura sem preconceitos ou sem “a mão cheia de pedras”.
Para começar a introduzir o livro, precisamos conhecer alguns detalhes sobre Saramago: primeiro, o autor é ateu. Em segundo lugar, ele sempre criticou e questionou as ideias da Igreja.
Em “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, o escritor português questiona Deus e sua postura autoritária e castigadora, ao mesmo tempo que Jesus é um homem real na Terra, mais humanizado.
Um outro ponto que é um enigma no livro é a forma como Saramago representa as mulheres, todas extremamente submissas — seria um machismo ou uma crítica à forma como a Bíblia as descreve? Muitos acreditam que seja a segunda opção, já que Maria Madalena é retratada de uma forma distinta, mais doce e amorosa.
- Saramago, José (Author)
- 376 Pages - 05/06/2005 (Publication Date) - Companhia de Bolso (Publisher)
5. O Lagarto
O quinto livro de José Saramago na nossa lista é bem especial, porque ele mistura todo o talento do escritor com as artes de cordel do xilogravurista J. Borges, diretamente do nosso Pernambuco.
E claro, o resultado não poderia ser mais encantador: um conto de fadas sobre um lagarto que aparece nas ruas de Lisboa e precisa de um caminhão de bombeiros e do exército para retirá-lo, ilustrado pela beleza e singularidade dos traços da arte de cordel.
Pessoalmente, eu adoro ver artistas da comunidade da língua portuguesa misturando seus trabalhos, trocando talentos e criando coisas juntos. Então, essa dupla não poderia formar nada mais do que um trabalho cheio de graça.
Para encantar crianças e adultos, “O Lagarto” é uma ótima ideia de livro extremamente rico, tanto em textos como ilustrações.
- Livro
- Saramago, José (Author)
- 32 Pages - 11/04/2016 (Publication Date) - Companhia das Letrinhas (Publisher)
6. As Intermitências da Morte
O nosso sexto livro de José Saramago é sobre um assunto que sempre causa aquela pontadinha de desconforto em nós: a morte. Nesta obra, ela até ganha um nome mais simpático, algo como “pequena morte cotidiana” de um país sem nome.
Imagine um mundo onde a morte desiste de seu ofício. É isso que acontece neste livro: a personagem fúnebre não faz mais vítimas e, um país, a partir de 1º de janeiro, precisa começar a lidar com isso.
Até parece um alívio para nós, não é mesmo? Mas se a gente pensar um pouco mais, talvez seria uma mudança enorme em todas as esferas sociais. Como ficariam as religiões que acreditam na vida após a morte? E os hospitais com doentes terminais e acidentados supostamente fatais?
Diante disso, as pessoas em situações críticas resolvem fugir do país para morrer e, claro, o país vira um caos com gente viajando e ultrapassando fronteiras para dar um fim à vida. Diante disso tudo, a personagem fúnebre escreve uma carta ao governo, anunciando que irá voltar a matar, mas com a condição de avisar com antecedência o acontecimento.
Um livro um pouco complexo, mas que nos faz abrir as asas da imaginação e pensar em como seria se a nossa vida não tivesse fim.
- Livro
- Saramago, José (Author)
- 208 Pages - 09/04/2020 (Publication Date) - Companhia das Letras (Publisher)
Escrever esse texto me abriu o apetite para retornar aos livros de José Saramago, um autor eternizado no mundo e na língua portuguesa. Dono de uma herança rica em pensamentos, histórias e reflexões que, com certeza, mudaram a literatura.
Você tem algum livro favorito do autor? Já leu algum desses? Me conta nos comentários! E não deixe de ler outras indicações de leitura aqui no Opiniões:
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